O excesso de zelo da Anvisa


O excesso de zelo da Anvisa

Os consumidores são os mais prejudicados com as resoluções e instruções normativas que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabeleceu para o comércio de medicamentos e prestação de determinados serviços em farmácias e drogarias. As novas medidas, que determinam que os estabelecimentos farmacêuticos comercializem somente produtos e serviços de saúde, entraram em vigor esta semana e sua imposição foi justificada como "garantia do cidadão à orientação farmacêutica". Segundo a Anvisa, a farmácia é um estabelecimento diferenciado e seu "ambiente" não pode ser banalizado por produtos que não têm relação com sua atividade-fim nem por "armadilhas" que levem os clientes a adquirir medicamentos que envolvem riscos. Para a Agência, muitas farmácias e drogarias estão organizadas como supermercados. Ao colocar os mais variados tipos de remédios em gôndolas, de analgésicos a vitaminas, fortificantes, plantas medicinais e essenciais florais, elas estimulariam a automedicamentação por parte dos clientes. Para a Anvisa, além de estimular os consumidores a comprar remédios de que não necessitam, as farmácias - amparadas por leis estaduais e municipais - vinham se transformando em verdadeiras lojas de conveniência, como as existentes em postos de gasolina, vendendo perfumes, brincos, barbeadores, lâminas, alimentos para dietas, chás, refrigerantes, sucos, energéticos, frutas, sorvetes e jornais. As novas regras, que estabelecem multas de R$ 2 mil a R$ 1,5 milhão para quem descumpri-las, tentam padronizar o funcionamento de todas as farmácias e drogarias do País. A iniciativa não levou em conta as diferentes realidades do Brasil. Com isso, a Anvisa colocou numa camisa de força um tipo de comércio varejista cujo funcionamento tem características próprias, que variam conforme o tamanho da cidade, a força econômica da região onde ela está situada e o perfil social de seus habitantes. Para os proprietários dos pequenos estabelecimentos nas cidades do interior, por exemplo, vender medicamentos juntamente com produtos não farmacêuticos é a única maneira de sobreviver. Para os donos de farmácias de médio porte nos bairros de classe média das regiões metropolitanas, agregar novas atividades à venda de remédios, cosméticos e produtos de higiene pessoal é uma forma de ganhar escala que lhes permite enfrentar as grandes redes de drogarias. E, para os consumidores, essa estratégia comercial resulta em conforto. Além de prejudicar comerciantes e consumidores, a resolução da Anvisa os trata como pessoas desinformadas e incapazes de discernir o que estão adquirindo. Pelas novas regras, os medicamentos - inclusive os vendidos sem receita médica - deverão ficar atrás dos balcões, fora do alcance dos clientes. Isso vai causar filas desnecessárias, limitar o poder de escolha dos consumidores e estimular a velha prática dos "diagnósticos e orientações" feitas por balconistas - também chamada de "empurroterapia". A medida também vai obrigar os pequenos e médios estabelecimentos farmacêuticos a contratar mais pessoal, o que pode inviabilizar o negócio. Como afirma o presidente da Associação Brasileira de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Sérgio Barreto, a resolução da Anvisa peca pela hipocrisia. Segundo ele, o mesmo poder público que não consegue instalar um hospital em cada um dos 5,5 mil municípios brasileiros, quer interferir no cotidiano de mais de 70 mil estabelecimentos farmacêuticos. "Há 1,6 mil municípios sem hospital público. É muito fácil satanizar o setor", diz Barreto, depois de acusar a Anvisa de estar indo na contramão de outros países. "No mundo inteiro a farmácia vem ampliando seus serviços. Só o Brasil restringe sua atuação", afirma. Enquanto a Anvisa promete multar quem não se enquadrar na camisa de força por ela chamada de "boas práticas farmacêuticas", a Abrafarma divulgou uma pesquisa do Ibope, mostrando que 77% dos frequentadores de farmácia e drogarias estão satisfeitos com os serviços por elas prestados e acham que não faz sentido a ordem para que restrinjam seu campo de atuação.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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