Fim de patentes leva à reinvenção de farmacêuticas


Especial Saúde: Fim de patentes leva à reinvenção de farmacêuticas
Veículo: Brasil Econômico
Jornalista: Cláudia Bredarioli*
Diante da iminente possibilidade de perder mais de US$ 100 bilhões em faturamento com o fim das patentes de medicamentos de venda em massa até 2013, a indústria farmacêutica global começa a se reinventar. Alterar essa trajetória requer substituir investimentos no desenvolvimento de grandes sucessos de venda — ou seja, em remédios conhecidos em todo o mundo como Viagra ou Lipitor, da líder global do segmento Pfizer — por drogas voltadas a pequena s populações, além de atuar em parceria com instituições acadêmicas e governos para desenvolver novas drogas para, ao mesmo tempo, reduzir os investimentos em pesquisa e aumentar a rentabilidade.

Segundo estudo do Centro de Estudos de Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade de Tufts, nos Estados Unidos, com a adoção do novo modelo de atuação em curso, o segmento passará por uma mudança dramática nos próximos anos. O levantamento aponta que as dez farmacêuticas mais afetadas somam US$ 95,5 bilhões em vendas com esses medicamentos cujas patentes vencem entre 2010 e 2013. “Nos próximos cinco anos essas empresas vão mudar muito e, daqui a dez anos, estarão irreconhecíveis”, afirma Kenneth Kaitin, diretor do centro de estudos.

O ponto nevrálgico dessas mudanças toma como base o fato de a indústria precisar cortar custos para o desenvolvimento de medicamentos e tentar reduzir os riscos desses investimentos. Em média, a cada dez pesquisas para a descoberta de novas drogas , apenas três têm retorno de seu investimento. O custo de uma nova droga é, em média, de US$ 1,3 bilhão, ao longo de cerca de 15 anos, sendo que muitas falham nas últimas fases de testes, antes do pedido de aprovação pelos órgãos responsáveis.

“A proporção é muito pequena para sustentar a quantidade necessária de novos produtos à indústria e ao mundo. As drogas que estão sendo aprovadas não são suficientes para trazer os ganhos exigidos ”, diz Kaitin.

Outra questão primordial dentro desse processo de mudança é o aumento dramático da dependência entre as empresas. “Atualmente o modelo integrado virou regra, se alguma indústria quiser fazer tudo sozinha, vai falir”. Ao mesmo tempo, como as universidades estão estranguladas e precisam de dinheiro, elas têm ganhado importância e incentivos do governo — pela via da saúde e não da ciência — para vender conhecimento à indústria.

Prejuízos

A Pfizer, por encabeçar a lista das empresas que mais sofrem com o fim das patentes de remédios , é uma das empresas que mais se esforçam para configurar essas parcerias. Segundo estudo da Universidade de Tufts, a empresa pode perder cerca de US$ 29,2 bilhões em receitas até 2013. Só o Lipitor, medicamento para colesterol mais vendido no mundo, fatura anualmente US$ 12,9 bilhões. A patente termina em novembro nos Estados Unidos.

“Em função do fim das patentes , preci samos cr iar uma nova Pfizer e nossa maior esperança está na biotecnologia. Estamos mudando nosso perfil e acelerando o desenvolvimento de pesquisas”, diz Belén Carrillo-Rivas, diretora de pesquisa e desenvolvimento em projetos e estratégia da companhia.

As parcerias com universidade s — centena s ao redor do mundo — devem trazer à companhia cerca de 40% de redução no custo e no tempo de desenvolvimento de um novo medicamento, segundo Belén. “Nosso foco agora es tá menos em tentarmos criar um grande novo medicamento, como o Viagra, e mais em focar nos tratamentos para pequenas populações ” . Este ano, a Pfizer vai investir US$ 7 bilhões em pesquisa, 25% menos do que o ano passado.

Brasil desponta como novo pólo de inovação

A mudança em curso na indústria farmacêutica global faz com que as grandes empresas olhem para os países emergentes com mais atenção e o Brasil começa a se destacar nesse cenário. Com isso, aumentam as chances de uma reversão do quadro de baixa produção de pesquisas que o país apresenta.

“A oportunidade que o Brasil tem agora de investir em inovação em ciências da vida é imperdível”, afirma Antonio Britto, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). Segundo ele, o país dispõe de ilhas de excelência na produção de ciência em quase todas as áreas da Medicina, além de contar com regras bem definidas constitucionalmente.

“O problema é que o Brasil não assume a inovação como um esporte nacional”, di z . Neste sentido, Britto destaca a necessidade de o país criar mecanismos que centralizem as ações de diversas instituições voltadas ao incentivo à inovação, hoje dispersas em vários ministérios. Outro ponto central giraria em torno do fortalecimento de órgãos como o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Conselho Nacional de Saúde (Conep). “Se nós conseguirmos esses avanços, o Brasil vai de fato conseguir disputar a corrida da inovação com o mundo”, afirma.

Um ponto favorável em prol do desenvolvimento de conhecimento no país, segundo o executivo, tem sido a aproximação entre indústrias e instituições acadêmicas, ainda pouco usual na cultura brasileira. Neste contexto, as pesquisas em doenças tropicais também devem crescer no país, visto que o Brasil apresenta demanda por medicamentos em várias delas, como malária, febre amarela, dengue, entre outros.

O aumento da troca de conhecimento com instituições acadêmicas no exterior também tem contribuído para que o país se exponha positivamente em âmbito internacional. “O Brasil busca posicionamento de maior destaque em várias áreas do saber e os pesquisadores brasileiros têm mostrado grande capacidade de colaborar internacionalmente”, afirma Fábio Thiers, otorrinolaringologista formado pela Universidade Federal de Pernambuco, que há mais de uma década participa do desenvolvimento de pesquisas médicas na Universidade de Harvard e no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
O número de doutores diplomados no Brasil cresceu de 554, em 1981, para cerca de 12 mil, no ano passado.

Na avaliação de Thiers, o governo tem cumprido seu papel e os centros de pesquisa começam a se mover para geração de inovação. “Isso gera potencial para que empresas estrangeiras invistam mais , para que haja mais parcerias, mas ainda falta fortalecimento e agilização do sistema regulatório”, diz. Neste aspecto, a sugestão do especialista toma como base o desenvolvimento de um plano plurianual ambicioso para a saúde, baseado em estudo de viabilidade econômica.
“Investidores preferem apostar em outra coisa, como fast-food”
Há 35 anos, a Universidade Tufts, em Boston, nos Estados Unidos, tem um grupo de pesquisa voltado ao acompanhamento da indústria farmacêutica e do desenvolvimento de novas drogas. É a partir desses anos dedicados à compreensão do segmento que, Kenneth Kaitin, diretor do centro de estudos, avalia que o momento crucial vivido por essa indústria aponta para o fundo do poço na trajetória de queda de valor dessas empresas. É inevitável, por isso, que essas companhias se reinventem para voltar a captar recursos e reduzir o volume de investimentos em pesquisa sem perda de qualidade em inovação.
As mudanças em curso na indústria farmacêutica podem trazer de volta os investidores no curto prazo? Os investidores estão perdendo a fé nesse segmento. Preferem colocar dinheiro em outra coisa, em fast food, por exemplo. A indústria farmacêutica ainda é lucrativa, mas o que os investidores avaliam é o potencial de crescimento futuro. Por isso, as grandes farmacêuticas perderam tanto valor de mercado nos últimos anos. As mudanças do segmento estão no cerne de questões econômicas, pois não há no mercado produtos suficientes para gerar receita para a continuidade do desenvolvimento das pesquisas. Isso cria um problema em relação ao modelo que as empresas têm adotado para desenvolver novas drogas. Elas teriam que estar abertas a correr riscos e fazer isso por meio de parcerias. Essas parcerias se mostram suficientes para resolver os impasses das empresas?

Começamos a ver o início de um movimento que mostra a participação de instituições acadêmicas, parcerias com iniciativa privada, grupos de pacientes. Sabemos que há uma mudança em curso. Os analistas dizem isso. As indústrias dizem isso. O modelo tradicional claramente não é mais sustentável. Mas há várias parcerias entre instituições acadêmicas e empresas neste sentido. Há cerca de quatro anos isso começou a ocorrer por incentivo do governo americano. As universidades precisavam de dinheiro e as empresas, de conhecimento.
Assim, desde 2006, instituições como a nossa, a Duke, Harvard e a Universidade da Califórnia, entre outras, receberam muitos recursos para seus grupos de pesquisa. Antes disso, existia uma parede entre universidades e empresas nos Estados Unidos. Foi a iniciativa do governo que fez essa cultura mudar nos últimos quatro anos. Começou a vigorar uma cultura na qual a maior certeza é de que nenhum dinheiro deve ser gasto a não ser que ele se reverta em ajudar as pessoas. Esse movimento da indústria tem sido percebido apenas nos Estados Unidos?
Isso se dá em todo o mundo. Não há mais nada que possa ocorrer só nos Estados Unidos. Não há mais empresas nacionais na indústria farmacêutica, exceto no caso de algumas que atuam no tratamento de doenças específicas que só existam em um determinado país. Como o Brasil está inserido nesse contexto? O Brasil é um país importante, se observarmos a trajetória de onde o desenvolvimento de medicamentos vai acontecer. A América Latina como um todo tem crescido em ritmo acelerado e isso representa um mercado potencial relevante para a indústria daqui a alguns anos. De que modo países como a China ou a Índia concorrem com o Brasil nesse cenário? Tanto a China quanto a Índia querem ocupar o principal espaço entre os países emergentes dentro da indústria farmacêutica. Só que ainda há um problema com a qualidade da medicina e da pesquisa de medicamentos na Índia.

Algumas empresas tiveram dificuldade em manter a qualidade de sua produção nas fábricas indianas. A China, ao contrário, está galgando degraus para suprimir esses problemas e o governo está muito atento, tomando decisões para incentivar a produção e a pesquisa. Hoje, a empresa que não cumprir quesitos de qualidade é severamente punida. A China está investindo muito em sua infraestrutura de pesquisa. Isso é uma concorrência até mesmo para os Estados Unidos. Essa presença envolveria a possibilidade de aumento do investimento em pesquisas em países emergentes? As indústrias farmacêuticas, hoje precisam estar presentes nesses locais. Querem parceiros com quem possam trabalhar juntos. Querem ter certeza de que contarão com infraestrutura adequada para desenvolver, produzir e distribuir seus medicamentos. Querem saber se terão hospitais nos quais internar os pacientes que poderão receber as novas drogas que estão sendo desenvolvidas.
É muito importante para as empresas tomar posição nesses países. Vemos, por exemplo, que a Argentina tem tomado muitas iniciativas nessa área, como o Chile, apesar de ser um país pequeno. Além disso, há também a necessidade crescente de desenvolvimento de pesquisas clínicas para pequenas populações, o que amplia a importância de ter acesso a pacientes no mundo todo.
Companhias buscam expansão geográfica
Aos poucos, a expansão geográfica buscada pelas grandes indústrias farmacêuticas ganha fôlego no Brasil. Companhias como Sanofi Pasteur, Genzyme, Roche, Johnson & Johnson e Novartis traçam planos mais ambiciosos para sua atuação no país e estão de olho nas melhorias em infraestrutura para produção que estão sendo oferecidas.
Segundo Scott Brown, vice-presidente da Novartis, o Brasil ainda apresenta inconsistências no exame de processos, mas as autoridades de saúde têm cumprido seu papel para que isso mude. “Ter sistemas regulatórios fortes é uma forma de atrair os investimentos em inovação”, afirma, explicando que a criação desses sistemas envolve hoje a compreensão da “nova gramática da descoberta de medicamentos”, que prevê olhar para necessidades médicas que ainda não foram supridas. “Países como o Brasil são uma grande oportunidade neste sentido, pensando em mercados para daqui a 10 ou 15 anos e, se queremos estar neles, há uma necessidade matemática de investimento em pesquisas em doenças tropicais”.

E o Brasil começa a entrar nos planos das grandes companhias até mesmo para pesquisas complexas. A Roche, por exemplo, não descarta em sua estratégia global a atuação em pesquisa de oncologia em território nacional e destaca o país, diferentemente dos planos para a China, como um dos que pode participar do desenvolvimento de outras pesquisas de ponta.

Matemática A América Latina como um todo ganha em importância estratégica também na Johnson & Johnson. “A questão é que, ao lado da inovação, a indústria não pode deixar de ter foco no lucro e qualquer nova estratégia precisa avaliar ambas as questões ao mesmo tempo”, afirma Joseph Amaral, vice-presidente da Johnson & Johnson, que tem planos de vir ao Brasil para conhecer melhor a área de equipamentos diagnósticos.

Ele explica, por exemplo, que o cálculo de investimentos da companhia é proporcional ao retorno que ele pode trazer. “Tendemos a evitar riscos altos tanto pelo lado do mercado como da tecnologia”, diz. Em razão disso, acompanhando a tendência adotada em outras empresas do segmento, a companhia amplia seu interesse na realização de parcerias para a geração de novas pesquisas.

Além das parcerias, a terceirização de processos também ganha cada vez mais espaço na indústria farmacêutica. Empresas como Sanofi-Aventis, Merck e Astrazeneca começaram a terceirizar funções nas etapas de testes dos medicamentos e buscar novas possibilidades com instituições acadêmicas e parcerias público-privadas. “Parcerias entre as farmacêuticas era algo impensado há cinco anos. Elas preferiam falir sozinhas do que compartilhar ganhos. Agora, essas uniões são uma boa alternativa para o sucesso”, afirma Kenneth Kaitin, da Universidade Tufts, nos Estados Unidos. “Isso também é um sinal inovador que aponta para as mudanças na indústria”.
*A repórter viajou a convite da Interfarma

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