Não é mais possível cobrar caro por medicamentos no Brasil

Veículo: IstoÉ Dinheiro

Jornalista: Marcelo Cabral


São poucos os setores da economia brasileira que podem encher a boca para anunciar um crescimento superior a 30%. Um deles é a indústria de medicamentos genéricos. Pouco mais de 11 anos após a chegada de seus primeiros produtos às farmácias, o segmento exibe uma musculatura invejável.


Aos números: o terceiro trimestre deste ano registrou um aumento de 32% no número de unidades vendidas e de 40% no faturamento em relação ao mesmo período de 2010. Até outubro, as vendas já chegam a R$ 8 bilhões, um pulo de 37%.


Antes restritos a uma participação simbólica, os genéricos já são hoje responsáveis por um quarto de todo o mercado nacional de medicamentos e têm fôlego para alcançar bem mais, na opinião de Odnir Finotti, presidente da Pró-Genéricos, associação que representa as fabricantes do setor. Tanto que o laboratório francês Sanofi-Aventis comprou o brasileiro Medley por R$ 1,5 bilhão e a americana Pzifer gastou R$ 400 milhões para ficar com 40% do Teuto. “Os genéricos têm uma função social importante”, afirma Finotti.


“Eles ajudam a regular o mercado e evitam que os preços dos remédios de marca subam demais.”

DINHEIRO - O sr. é a favor da criação de um novo imposto para financiar a saúde no País? FINOTTI – Acho que não há como criar um novo imposto no País. Não há mais espaço para cobrar mais da população sem oferecer um serviço de qualidade.
Se você conseguisse resolver todos os problemas de gestão na área, acabar com o desperdício e combater a corrupção, o volume de investimentos que já é destinado hoje poderia render muito mais frutos. Melhorar a eficiência de nossa máquina pública poderia resolver uma grande parte de nossos problemas.

DINHEIRO – O Procon mostrou que em São Paulo há uma variação de quase 1.000% no preço dos genéricos. Por que existe tanta diferença?
FINOTTI – Isso acontece devido à concorrência. Se não houvesse essa concorrência, os preços tenderiam a ficar em um patamar mais alto. Nesses casos, damos a seguinte orientação: o consumidor tem de ir atrás. Não pode comprar no primeiro lugar que aparecer. E cabe lembrar que no Brasil o preço é tabelado. Ou seja, essa diferenciação se dá sempre do preço máximo para baixo. A conclusão é de que os genéricos são reguladores de mercado muito eficientes. Os preços de medicamentos caíram no Brasil nos últimos anos, em boa parte, devido aos genéricos. Não é mais possível cobrar caro por remédios em um mercado como o do Brasil, onde há concorrência de genéricos.

DINHEIRO – A participação dos genéricos no mercado farmacêutico brasileiro está crescendo a taxas de dois dígitos. O que explica esse movimento?
FINOTTI – Hoje existe no Brasil uma gama muito grande de genéricos, que atendem a 90% das doenças do dia a dia. E eles têm um preço que normalmente é a metade de um remédio de marca. Essa combinação é muito poderosa. Além disso, a população está cada vez mais confiante na qualidade dos genéricos.
E o Brasil está criando riqueza, com mais empregos e aumento de renda das classes menos favorecidas. Para esse contingente que está chegando agora ao mercado, o genérico é a primeira opção.

DINHEIRO – Qual a previsão para as vendas de genéricos em 2011?
FINOTTI – No final de 2010, imaginávamos crescer entre 25% e 30% neste ano.
Agora, acreditamos que a expansão pode chegar a 35%. É um ritmo de crescimento contínuo acima de qualquer outro segmento da economia. No terceiro trimestre, as vendas foram de R$ 2,3 bilhões, contra R$ 1,7 bilhão na mesma época do ano passado. Outro fator que contribuiu para isso são os programas do governo, especialmente o Farmácia Popular (projeto que promove a distribuição de remédios gratuitamente ou a preços reduzidos), que ao longo deste ano já atendeu mais de sete milhões de pessoas. Os genéricos são 65% da cesta gratuita do programa, o que contribuiu para alavancar mais o setor.

DINHEIRO – Os genéricos representam hoje 25% do mercado nacional. Por que eles não chegaram aos mesmos níveis de participação de outros países?
FINOTTI – Temos algumas diferenças importantes por aqui em relação a esses países. Na Europa, por exemplo, existem sistemas de saúde e de previdência que cobrem quase todas as despesas médicas. Então, a população não tem que se preocupar em comprar o medicamento. A pressão para que o remédio tenha um menor custo vem direto do governo, para manter o equilíbrio do orçamento.

Isso leva a uma opção de quase todo o sistema pelo genérico. Nesses países, onde há um só grande pagador, na média 60% do mercado é de genéricos, até porque não existe a figura dos medicamentos similares (que possuem características semelhantes aos de marca, mas são submetidos a menos testes farmacêuticos que os genéricos). Por sua vez, nos EUA, quem faz uma pressão muito grande são os planos de saúde. Com isso, cerca de 75% de tudo o que se receita no mercado americano são remédios genéricos. Por aqui temos uma característica diferente, o chamado mercado privado. No Brasil, 80% do negócio de medicamentos é feito diretamente pelo consumo da população. Mas essa população busca sim uma alternativa. A prova é que, se somarmos os similares aos genéricos, a participação de mercado vai ultrapassar 60%.

DINHEIRO – O sr. vê um teto para os genéricos no mercado brasileiro?
FINOTTI – Mantidas as características atuais de nossas vendas, por exemplo, sem a obrigatoriedade prática de receitas para comprar todos os medicamentos, acho que a tendência é de que cheguemos a um patamar em torno de 35% para os genéricos. Essa é a nossa meta.

DINHEIRO – Já conseguimos exportar genéricos? Qual nosso potencial nessa área?
FINOTTI – Sim. Há empresas que produzem por aqui e exportam para suas bases de operação na Europa e nos Estados Unidos.

DINHEIRO – É por isso que os laboratórios estrangeiros como a Sanofi-Aventis e a Pfizer estão comprando fabricantes nacionais?
FINOTTI – Em primeiro lugar, eles vêm para disputar o negócio. O Brasil é hoje o sétimo maior mercado mundial e há pesquisas mostrando que ele caminha para ser o terceiro maior em alguns anos. As empresas olham para esse negócio que cresce a taxas maiores do que em qualquer outro lugar e pensam: “Opa, não podemos ficar de fora dessa”. A partir do momento que você está aqui e produz um produto com qualidade, é natural que queira exportar para outros mercados como América Latina, EUA e Europa.

DINHEIRO – Quais tipos de genéricos são os mais vendidos no Brasil?
FINOTTI – Hoje, o principal medicamento é o Losartan, para tratar de hipertensão. Antes, esse tipo de remédio era um nicho reservado para poucas pessoas, mas, com a introdução das versões genéricas, houve queda nos preços e foi possível a muito mais gente ter acesso ao tratamento. Sozinho, ele representa 5% do mercado. Se você levar em consideração que existem 3.200 tipos de genéricos no País, é muita coisa para um só produto. O segundo mais vendido é o Pantoprazol, para tratamento de úlceras e doenças gástricas.
Novamente, era um tratamento muito caro e agora foi popularizado, detendo 3,5% do mercado.

DINHEIRO – Quais as patentes mais importantes que devem vencer em breve?
FINOTTI – A mais importante delas é a do Esomeprazol (vendido no mercado sob o nome comercial de Nexium), também para o tratamento de gastrite. Mas sempre é preciso levar em conta a questão da disputa judicial, que envolve patentes cujo vencimento está se aproximando.

DINHEIRO – Por que há tantas discussões nos tribunais sobre essa questão?
FINOTTI – Sempre defendemos o estrito cumprimento da Lei de Patente, ou seja, a empresa tem 20 anos de exclusividade como prêmio pelo desenvolvimento do medicamento e usa o valor aferido para financiar novas pesquisas. Mas as empresas começaram a questionar quando começa a valer esse prazo. Na lei, está escrito que é a partir do lançamento no primeiro país onde ela for registrada, mas elas achavam que havia brechas no texto. Os casos foram para a Justiça e, em várias decisões, os tribunais superiores têm se pronunciado favoravelmente à lei.

DINHEIRO – Qual é essa nova tática?
FINOTTI – No Brasil, não foi colocada em nossa lei a questão da exclusividade dos dados. As empresas alegam que, como não há previsão, os dados sobre a composição de seus produtos são sigilosos e, portanto, a Anvisa não pode ter acesso a eles para registrar o produto como genérico.

São medicamentos que nem patente têm. Nós defendemos que, como não há menção na lei, elas não podem alegar sigilo.

DINHEIRO – Há muitos medicamentos enfrentando esse questionamento?
FINOTTI – Destaco nesse tipo de disputa o antidepressivo Escitalopram (comercializado como Lexapro), que está em fase final de disputa no Superior Tribunal de Justiça. Um mês de medicamento custava R$ 165. Com a chegada dos genéricos, o preço caiu para menos de R$ 80. Antes, era vendido para cerca de 100 mil tratamentos. Com os genéricos, chegou a 185 mil. Após a empresa interditar a comercialização, retornou para 105 mil tratamentos. Esse vai e vem cria uma confusão tremenda na cabeça de consumidores e médicos, que não sabem direito o que está ou não valendo.

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