Múltis vão produzir equipamentos médicos de alta tecnologia no Brasil



Veículo: Valor Econômico

Jornalistas: Mônica Scaramuzzo e Vanessa Dezem

O Brasil deverá receber, a partir deste ano, investimentos de quase US$ 1 bilhão para a construção de pelo menos três fábricas - duas de produção de equipamentos de alta tecnologia para doenças consideradas prioritárias, como câncer, e a outra para o desenvolvimento de vacinas. O Ministério da Saúde está em conversações com pelo menos cinco multinacionais para negociar a nacionalização e transferência tecnológica de medicamentos e equipamentos, com o objetivo de reduzir o pesado déficit da balança comercial da saúde, que em 2011 alcançou a marca recorde de US$ 11 bilhões. O Valor apurou que a sueca Elekta, as americanas GE e Varian, a alemã Siemens e a holandesa Philips já iniciaram diálogos com o governo e planejam fazer aportes no país.

O Brasil importa quase 100% dos equipamentos de alta tecnologia para as doenças consideradas prioritárias. Segundo Carlos Augusto Grabois Gadelha, secretário de ciência e tecnologia e insumos estratégicos do Ministério da Saúde, o foco será investir em inovação. O ministério está em conversas com várias empresas, não apenas estrangeiras, afirmou Gadelha. "O time [ministério] entrou em campo."

"Devemos investir entre US$ 250 milhões e US$ 300 milhões em uma fábrica no Brasil para a produção de equipamentos digitais de imagens voltados para oncologia", disse ao Valor Antonio Ponce, vice-presidente para América latina da Elekta, especializado em equipamentos oncológicos. Segundo Ponce, a empresa deverá voltar a conversar com o governo em março e definirá em abril em qual Estado a primeira fábrica do grupo será instalado. "Já tínhamos a intenção de vir para o Brasil em 2009, mas decidimos adiar os planos para 2015. Agora, voltamos a conversar com o governo e antecipamos para este ano os nossos projetos de investimentos no país."

O governo está trabalhando há alguns meses para colocar em prática um amplo programa de estímulo às indústrias de máquinas e equipamentos médicos e hospitalares e também fomentar a fabricação de medicamentos. Serão duas frentes de atuação - o primeiro, sustentado pelas compras governamentais para o Sistema Único de Saúde (SUS), será lançado já neste trimestre, enquanto o segundo, respaldado em estímulos fiscais, deverá ficar pronto no segundo semestre, segundo informou o Valor no início do ano.

Em novembro, a suíça Novartis assinou uma carta de intenções com o Ministério da Saúde para promover transferência tecnológica no Brasil de importantes medicamentos prioritários, como câncer, e doenças negligenciadas. A empresa deverá tirar do papel sua fábrica de vacinas, que deverá ser construída em Pernambuco, com aportes de até US$ 400 milhões. Essa unidade deverá ser base exportadora para América Latina.

Já há alguns meses, a GE também engatou negociações com o governo para transferência de tecnologia. Com uma fábrica em Contagem (MG), a múlti planeja acelerar a introdução de novos equipamentos que deverão ser produzidos no país. Hoje, a empresa produz equipamentos de raio X. As máquinas de tomografia computadorizada passaram a ser montadas no fim do ano passado e as de ressonância magnética serão introduzidas nas linhas mineiras em dois meses.

Agora, diante das conversações com o governo, a ideia é introduzir, neste primeiro semestre, cinco novas modalidades de equipamentos de alta tecnologia, voltados para diagnósticos em oncologia. "Quando inauguramos Contagem em 2010, prevíamos que essas cinco modalidades seriam introduzidas em quatro ou cinco anos. Só se passaram cerca de dois anos. Estamos aumentando a velocidade de implementação dessas tecnologias no Brasil", afirmou o vice-presidente da GE Healthcare para a América Latina, Daurio Speranzini, sem detalhar os tipos de equipamentos que serão trazidos. Para isso, a GE projeta investimentos de US$ 50 milhões em dez anos em Contagem, desembolso divulgado pela empresa no momento da inauguração da fábrica. O montante não deve ser alterado com as novas medidas do governo, mas o perfil de investimentos será antecipado, com uma maior concentração de recursos sendo disponibilizados nos próximos anos.

A estratégia da companhia é, em uma primeira etapa, realizar a montagem dos novos equipamentos no Brasil, para depois dar conteúdo nacional aos produtos. O objetivo final é atingir o patamar dos 60% de nacionalização de tudo o que é produzido em Contagem. Deverá ocorrer transferência de tecnologia para os fornecedores das peças. "Nossa aposta é que haverá uma escala maior para os equipamentos, o que justificará nosso custo de transferência de tecnologia para que os fornecedores locais tenham menores custos", explicou Speranzini.

A também americana Varian está em conversações para iniciar a produção de equipamentos em território nacional. A empresa especializada em tratamentos de radioterapia - com receita global de US$ 2,6 bilhões no ano fiscal de 2011- atua no país através de importações e utiliza o mercado nacional como plataforma das operações na América Latina. A empresa tem atualmente fábricas na América do Norte, Europa e China e teria interesse na construção de uma unidade brasileira, segundo apurou o Valor. Oficialmente, a companhia americana informou que "está em comunicação com o governo", para determinar como apoiá-lo em suas medidas.

No mesmo passo, a Siemens estaria preparando um plano para nacionalizar equipamentos de radioterapia. A alemã produz há onze anos equipamentos de raio X - que são exportados para a América Latina e África a partir da fábrica de São Paulo. O conglomerado industrial tem ao todo 13 fábricas no Brasil, que produzem desde tomadas e interruptores até equipamentos para distribuição de energia e lâmpadas elétricas. Mas o setor de saúde estaria sendo colocado no centro das atenções da subsidiária brasileira, principalmente pela possibilidade de se tornar plataforma de exportações também nessa área. A empresa, no entanto, não comentou o assunto.

Com essas iniciativas, o Brasil poderá se transformar em um centro de exportações de equipamentos médicos, segundo Abrão Melnik, presidente da Abimed (Associação Brasileira dos Importadores de Equipamentos, Produtos e Suprimentos Médico-Hospitalares). "Pretendemos exportar nossos equipamentos que serão produzidos no Brasil para países da América do Sul, Índia e Rússia", disse Ponce, da Elekta.

A holandesa Philips, por sua vez, já produz no país equipamentos de alta tecnologia, como raio X digital e mamógrafo digital. Por ser a única a fabricar no Brasil ressonância e tomógrafo, os equipamentos da Philips tem seus produtos habilitados para serem financiados pelo BNDES, por meio da linha do Finame.

A decisão de nacionalizar a produção de equipamentos e medicamentos tem recebido apoio de boa parte das indústrias, mas virou alvo de críticas de especialistas do setor, que consideram a medida um retrocesso às políticas de substituição das importações adotadas a partir da década de 50. Carlos Alberto Goulart, presidente-executivo da Abimed, lembra que o segmento não pode cair na mesma armadilha que ocorreu nos anos 80, com a lei da reserva de mercado, quando o setor de informática decidiu nacionalizar a produção e perdeu a competitividade.

Antônio Brito, presidente-executivo da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), defende que o Brasil tenha uma excelência acadêmica, como ocorre em países da Europa e nos Estados Unidos. Outro desafio é eliminar as barreiras burocráticas e regulatórias. "Se o Brasil quiser crescer, tem de trilhar o caminho da inovação."

Governo pretende reverter o déficit de conhecimento

Jornalista: Mônica Scaramuzzo

O Brasil está disposto a investir em inovação. Em entrevista ao Valor, Carlos Augusto Grabois Gadelha, secretário de ciência e tecnologia e insumos estratégicos do Ministério da Saúde, disse que se o país quiser ser competitivo na área de saúde, tem de apostar em projetos inovadores. "Inovação não é só a molécula nova. O foco é passar a produzir o que o Brasil não produzia antes", disse o secretário. "Nosso déficit não é apenas comercial, mas de conhecimento", disse.

No ano passado, o déficit da balança comercial do setor da saúde foi da ordem de quase US$ 11 bilhões, segundo levantamento do Ministério da Saúde. Os principais produtos importados são os medicamentos biotecnológicos (como oncológicos e para doenças complexas, como artrite reumatoide) e fármacos (insumos farmacêuticos ativos), além de equipamentos para oncologia (aceleradores lineares e tomógrafos, por exemplo) e para diagnóstico por imagem, como aparelhos de ultrassom doppler colorido e de ressonância nuclear magnética.

Segundo ele, com as iniciativas em curso, o país deverá ter uma "economia" de cerca de US$ 1 bilhão por ano, a partir de 2013. A principal medida que está sendo definida pelo governo é a instituição de uma margem de até 25% de ágio sobre o preço de uma máquina ou medicamento produzido no Brasil para quem participar de uma licitação pública. Gadelha explicou que o teto é de 25%, mas a margem será definida caso a caso.

"O uso do poder de compra do Estado está em pleno andamento, com estímulo de parceria entre o setor público e o privado, incluindo medicamentos e equipamentos", disse o secretário. Nos últimos anos, o BNDES realizou financiamento de cerca de R$ 4 bilhões para o setor, que também começou a contar com o apoio da empresa pública Finep (Financiadora de Estudos e Projetos).

O secretário reconhece que as indústrias enfrentam algumas barreiras regulatórias, mas afirmou que há disposição do governo para agilizar o processo junto à Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária), no Sistema Nacional de Ética em Pesquisa (Sisnep) e na Comissão de Incorporação Tecnológica do Ministério da Saúde. Gadelha disse que as iniciativas de hoje são pensadas para o longo prazo.

Países como Irlanda, Coreia do Sul e Cingapura decidiram criar centros de excelência em inovação na área da saúde, que são consideradas referência internacional.

Especialistas do setor alertam que a iniciativa do governo é elogiável, mas boa parte dos laboratórios nacionais não está preparado para receber transferência tecnológica. "Muitas PPPs (Parceria Público-Privada) estão paradas", afirmou uma fonte.

Segundo o governo, muitas dessas parcerias entre laboratórios públicos e empresas privadas vão dar maior autonomia para que as instituições públicas sejam capazes de desenvolver produtos de alta complexidade.

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