Modelos de gestão de materiais definirão custo da logística reversa
Veículo: DCI
Jornalista: Thaís Carrança
Ainda não existe um cálculo fechado do tamanho do investimento que indústria e comércio terão de fazer para cumprir a nova legislação. A distância e outros fatores tornam bastante complexa a estimativa, mas o volume de despesas para infraestrutura, operacionalização e reciclagem não é baixo.
Na opinião do gerente geral de Sustentabilidade da Whirlpool, Vanderlei Niehues, o volume de investimentos dependerá do desenho final e de quanto será o retorno de resíduos, diretamente vinculado ao comportamento dos consumidores.
Estudo da Global Intelligence Aliance (Gia), empresa contratada para mapear e fazer uma análise econômica e financeira do que acontece atualmente no mercado de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos, está ajudando a subsidiar o governo e o setor a entender o que realmente acontece no mercado de resíduos no País.
Também auxiliam nessa tarefa a Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), que coordena o estudo de viabilidade técnica e econômica, a Fundação Getúlio Vargas (FGV), universidades federais e centros de pesquisa nos subsídios para determinar, nos maiores centros consumidores, o número de pontos de coleta, que tipo de produtos o consumidor retornará às lojas e quantas recicladoras serão necessárias para cobrir todo o Brasil.
Medicamentos
Segundo o vice-presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini, a política de logística reversa para medicamentos parte de uma iniciativa voluntária da indústria, varejo e atacado farmacêutico, uma vez que o setor não é um dos prioritários na Política Nacional de Resíduos Sólidos. “Nosso produto sequer deveria sobrar, sobra porque as pessoas compram medicamentos sem orientação médica e, mesmo com orientação, interrompem o tratamento”, afirma.
Segundo ele, os medicamentos têm uma particularidade em relação a outros resíduos prioritários na política, pois não há comprovação de sua toxicidade ao meio ambiente. Tudo isso está sendo debatido no Grupo de Trabalho Temático de Medicamentos. O representante do Sindusfarma ressalta que, ainda que o setor tenha interesse na política de recolhimentos, a responsabilidade final em coletar esses produtos seria do Estado.
O custo é um dos problemas. “Existem 100 mil pontos de dispensação de medicamentos no Brasil. Se coletarmos em todos eles, o custo pode inviabilizar o setor, uma vez que medicamentos têm preços controlados pelo governo e não é possível o repasse ao consumidor de valores adicionais gerado pela coleta”, diz.
Plano de resíduos sólidos abre novos mercados no País
Jornalistas: Liliana Lavoratti e Thais Carrança
Cada etapa a ser superada na implantação da logística reversa – o gerenciamento do fluxo de produtos e embalagens do ponto de consumo até o ponto de origem, o contrário da logística usual, que administra os materiais da produção até o consumo final –, espinha dorsal do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS, Lei nº 12.305/2010), é um novo mercado que começa a ser vislumbrado por empresas nacionais e estrangeiras. Esses nichos vão desde campanhas publicitárias de educação ambiental dos consumidores, passam pela ampliação da indústria de reciclagem e alcançam a prestação de serviços às seis cadeias produtivas priorizadas no marco legal.
Após quase vinte anos de debate, neste ano indústria, comércio e consumidores de eletroeletrônicos, pilhas e baterias, lâmpadas, embalagens, óleos lubrificantes e pneus terão de lidar, conjuntamente, com a devolução de embalagens e produtos e o reaproveitamento desses materiais em processos produtivos próprios ou de terceiros. A intenção é estender o PNRS a todos os segmentos industriais, mas o foco inicial são os resíduos pós-consumo daqueles que oferecerem maior risco ambiental e já estão submetidos a alguma regulação.
Embora o fluxo logístico reverso já seja praticado por parte das empresas brasileiras, para a maioria dos segmentos o gerenciamento de resíduos pós-consumo é novidade. Esta realidade vem mudando por diversos fatores, segundo o diretor da Sargas Logística, Leonardo Lacerda: pressões externas por maior rigor da legislação ambiental, concorrência e redução de custos. “A legislação ambiental caminha no sentido de tornar as empresas cada vez mais responsáveis por todo ciclo de vida de seus produtos, ou seja, serem legalmente responsáveis pelo seu destino após a entrega dos produtos aos clientes e do impacto que estes produzem no meio ambiente”, diz. Segundo ele, o aumento de consciência ecológica dos consumidores é outro fator, ao lado da valorização, por parte do cliente, de marcas que adotam políticas de retorno de produtos. Não é desprezível o resultado que as empresas conseguem com o reaproveitamento dos resíduos.
Para empresários e especialistas ouvidos pelo DCI, o principal gargalo para o funcionamento da logística reversa – a insuficiente infraestrutura para a multiplicidade de soluções de reciclagem, transporte e gerenciamento que será demandada pelo PNRS – é de onde virá a grande oportunidade para novos negócios. As atuais condições estão muito aquém da necessidade para cobrir a extensão territorial do Brasil. Na região Sudeste, onde ocorrem 56% do consumo de eletroeletrônicos, existem apenas 18 recicladoras dentro dos padrões da legislação.
“Existe muito espaço para crescer nos estados mais desenvolvidos do Brasil, portanto, é só imaginar o que será preciso fazer no resto do País”, prevê o relator do grupo temático dos eletroeletrônicos e diretor de Responsabilidade Socioambiental da Associação Brasileira da Indústria de Eletroeletrônicos (Abinee), André Luis Saraiva. O empresário é o interlocutor da Abinee e Eletros nas negociações com o governo para o estabelecimento do acordo que será seguido pelo setor.
Segundo ele, no Centro-Oeste, Nordeste e Norte funciona apenas uma recicladora em cada região. O País não dispõe de tecnologia para reciclar monitores de computador e placas de circuito interno, os bens de menor e maior valor, respectivamente, na reciclagem de eletroeletrônicos.
O gerente geral de Sustentabilidade da Whirlpool – líder no mercado brasileiro de eletrodomésticos com as marcas Brastemp, Consul e KitchenAid – e diretor da Associação Brasileira de Embalagens (Abre), Vanderlei Niehues, também concorda que o número de recicladores é muito baixo e concentrado em São Paulo e Sul do Rio de Janeiro. “Temos muitas associações de catadores, mas poucos recicladores que cumprem as exigências legais”, enfatiza. Segundo ele, várias empresas da Europa e Estados Unidos estão interessadas em se instalar no Brasil e grupos nacionais se preparam para ganhar ou ampliar presença no mercado das sucatas com valor. Entre as estrangeiras atraídas estão a SPR, maior grupo espanhol na área de gestão de resíduos, e a Indústria Fox, subsidiária da suíça Fox & Earth, recicladora de refrigeradores que já opera no mercado brasileiro e deverá ampliar sua operação.
O diretor de Logística da TGestiona, empresa que realiza a logística reversa do Grupo Telefônica, Maurício Pastorello, dá uma pista de como esse mercado poderá avançar. “Quando gerenciamos os modens em poder dos clientes, não estamos pensando só na nossa responsabilidade ambiental, mas também no controle dos nossos ativos. Recuperá-los é colocá-los de volta dentro do parque de utilização, reaproveitando os que estão quebrados e dando destino final a eles por meio de reciclagem. Existe também um viés de negócios”, afirma. A TGestiona já busca clientes para ampliar sua presença na logística reversa. “As oportunidades de negócios existem em várias direções: para quem presta esse serviço e para a empresa que recupera os ativos”, completa.
Investimentos novos
O empresário paraibano Flavio Costa é um dos empreendedores entusiastas do PNRS. Em 2010, logo após a aprovação da nova legislação, ele criou a Rctec Resíduos Eletrônicos para tratar produtos e embalagens de eletroeletrônicos. Embora de pequeno porte e sediada em João Pessoa, a empresa ambiciona o mercado nordestino.
“Nascemos na Paraíba, onde identificamos deficiência na destinação adequada para estes resíduos, logo depois nos depararmos com essa mesma deficiência em todo o Nordeste”, afirma. O objetivo é que, por meio de parcerias, a empresa passe a operar em breve em Fortaleza, Natal, Recife e Salvador. Segundo o empresário, seus concorrentes são informais e voltados apenas aos materiais mais fáceis de serem comercializados após a reciclagem, como latas de alumínio e pet.
Na opinião de Costa, a logística reversa ainda é cara no Brasil devido ao volume gerado, ainda baixo, por exemplo, para estimular investimentos em uma fábrica de reciclagem de placas de circuito interno. “Com a nova lei, não levará muito tempo para isso acontecer”, diz. Novos investimentos estão na pauta de uma das poucas empresas brasileiras a atuar nacionalmente na descontaminação de lâmpadas fluorescentes, a Apliquim Brasil Recicle, que já sente o aumento espontâneo na busca pelo serviço, desde a publicação da lei em 2010.
Em 2011, a empresa faturou R$ 7,8 milhões, alta de 32% sobre 2010 (R$ 5,9 milhões). Para 2012, a expectativa é crescer mais 20%, atingindo R$ 9,5 milhões. O portfolio de clientes inclui gigantes como a Petrobras, Gerdau, Volkswagen, Ford, Scania, General Motors e Embraer, além de universidades, hospitais e órgãos públicos.
Diferentemente de outros serviços de coleta de lâmpadas fluorescentes, que atuam apenas com a descaracterização do produto e seu posterior descarte em aterros sanitários, a empresa busca reaproveitar todo o material empregado. Os soquetes são vendidos para recicladoras de alumínio; o vidro, após descontaminação, para recicladores de vidro; e o mercúrio, após purificação, para empresas químicas. “Com a receita gerada por essas vendas reduzimos até 10% os custos globais da companhia”, relata o presidente, Mário Sebben.
Segundo ele, ainda há um grande desafio à expansão da demanda: “O preço é fator limitante”. A empresa cobra de R$ 1 a R$ 3, em média, pelo resgate de cada lâmpada esgotada ou queimada. Ele conta que, para reduzir o custo de logística, um dos que mais fortemente impacta o preço do serviço, a companhia está tentando recrutar empresas intermediárias na receptação de lâmpadas em todo o País, de forma a permitir o acúmulo do produto e a redução do número de viagens.
A empresa também investirá em 2012 cerca de R$ 1,8 milhão, incluindo novos caminhões e aumento da automação e desenvolvimento de aplicações mais nobres para o vidro em pó.
Destino final
“A nova lei e as declarações da presidente Dilma olham só para as cooperativas de catadores, mas aquele lixo das cooperativas tem que ir para algum lugar, alguém tem que processar aquilo”, diz o presidente da Wisewood – Soluções Ecológicas, Rogério Igel.“Uma das razões de termos criado a Wisewood é este plano, queremos cadastrá-la como destinadora final de resíduos plásticos, pois o aumento da disponibilidade deste material provocará uma redução nos preços”, afirma.
Fundada em 2007, a Wisewood fabrica dormentes ferroviários de plástico, em substituição aos tradicionais de madeira. A matéria-prima são resíduos pós-consumo, como embalagens descartadas, e pós-industriais, como aparas de polipropileno. Hoje a empresa produz mil toneladas de dormentes ao mês, mas tem a intenção de dobrar a produção até o final de 2012.
A indústria, sediada em Itatiba (SP), deve faturar R$ 30 milhões em 2012, triplicando a receita de 2011. Já são seus clientes a MRS Logística e a Vale, que está experimentando o novo produto. Nos próximos anos, Igel calcula incremento anual na casa dos dois dígitos no faturamento da companhia. “Esta é uma empresa de tecnologia, então a gente depende de P&D (pesquisa e desenvolvimento), e essas coisas demoram, mas 20% ao ano (de crescimento) me parece factível”, projeta o empresário.
Cadeia de agrotóxicos recicla e gera energia com embalagens
Jornalista: Thais Carrança
Um exemplo de responsabilidade pós-consumo considerado bem sucedido no Brasil é o das embalagens de agrotóxico. Com 10 anos de experiência acumulada, desde a regulamentação, em 2002, da Lei Federal nº 9.974/2000, são recolhidas hoje 94% das embalagens primárias (aquelas que entram em contato direto com o agrotóxico) e 40% das secundárias (caixas de papelão que contêm as embalagens primárias), segundo dados do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (InpEV). Como forma de reduzir os custos, desde 2008 foi criada, por 31 fabricantes de agrotóxicos, a Campo Limpo Reciclagem, empresa que reaproveita estas embalagens, fazendo novos recipientes para este mesmo fim.
“Nós vimos que havia oportunidade de capturar valor na cadeia, de forma a ajudar a criar um sistema autossustentado”, relata o presidente do InpEV, João Cesar Rando. Além disso, a fabricação de novas embalagens permite fechar o ciclo de gestão do resíduo dentro da própria indústria.
Até o momento, os investimentos na empresa, localizada em Taubaté (SP), somam R$ 50 milhões, com previsão de atingir R$ 60 milhões até 2013. A capacidade instalada permite a produção anual de 10 mil toneladas de resina pós-consumo, utilizadas, em parte, na fabricação de três milhões de embalagens de 20 litros por ano, vendidas a preço de mercado. Em 2011, a empresa faturou R$ 48 milhões, crescimento de quase 30% sobre os R$ 37 milhões registrados no ano anterior. Para 2012, a expectativa é de que a receita cresça de 10% a 15%.
“Já atingimos a maturidade. Temos um sistema que está apto a receber e tratar 100% das embalagens que forem colocadas no mercado”, afirma Rando. Na responsabilidade compartilhada, a indústria arca com 80% a 85% do custo da logística reversa e o restante é financiado pelos agentes da comercialização.
Os aportes do setor produtivo somam de R$ 55 milhões a R$ 60 milhões ao ano, com a expectativa de redução de custo de 40% a 50% em até cinco anos. Além da reciclagem, está em estudo a destinação dos resíduos não recicláveis para a geração de energia, como forma de reduzir custos.
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