Hélio Schwartsman: Vacina na marra


Penso que a homeopatia não passa de um placebo e não creio que pais tenham o direito moral de negar vacinas a seus filhos. As duas medidas que mais contribuíram para derrubar os índices de mortalidade infantil da faixa de 200 por mil nascimentos com vida em 1900 para a de menos de 20 por mil hoje são saneamento básico e imunizações. Vejo com desconfiança, porém, a decisão da Justiça de obrigar os pais homeopatas de duas crianças de Jacareí (SP) a vaciná-las.
A liminar determina que os garotos sejam imunizados imediatamente, sob pena de multa diária (até aí, tudo bem) e, na hipótese de a recusa persistir, mediante mandado de busca e apreensão. Isso significa que eles poderão ser retirados de seus guardiães com recurso à força policial, processo algo traumático que me parece claramente um caso de remédio pior que a doença.
Ora, mesmo as mais exitosas campanhas de imunização ficam muito aquém de atingir a totalidade da população. E o Estado não sai implacavelmente à caça dos pais relapsos. Na verdade, isso nem é tão necessário já que, quando a cobertura de vacinas contra doenças infectocontagiosas transmitidas de pessoa a pessoa ultrapassa certo limiar, lá pelos 80%, começa a ocorrer aquilo que os cientistas chamam de imunidade de grupo. A ideia aqui é que, como há menos gente suscetível à moléstia, as cadeias de transmissão não funcionam tão bem, o que acaba em alguma medida protegendo também as crianças que não foram imunizadas.
Desde que a militância antivacinal fique restrita a meia dúzia de gatos-pingados, não configura uma ameaça à saúde pública. Também não dá para comparar a não vacinação com a recusa de ministrar antibióticos a uma criança com sepse, hipótese em que a ação coercitiva do Estado é legítima. Uma Justiça sábia fecha os olhos para faltas menores, e um Estado democrático dá aos cidadãos o direito de acreditar até em tolices.
 

Veículo: Folha de S.Paulo 
Colunista: Hélio Schwartsman
 

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